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Magia
Incluem-se entre os fenômenos mágicos uma ampla variedade de práticas e crenças rituais,
que constituem o núcleo de vários sistemas religiosos, atos de exorcismo e mesmo
prestidigitação com fins de entretenimento. No primeiro sentido, a magia se entende como
fenômeno social e cultural, presente em todas as civilizações, em algumas das quais
convive com o pensamento crítico da era científica e tecnológica.
Na Roma antiga, muita importância foi dada à feitiçaria. Esse fenômeno parece ter
resultado do desenvolvimento de novas classes urbanas, cujos membros dependiam de seus
próprios esforços, tanto em termos materiais como mágicos, para derrotar os adversários e
alcançar o sucesso. . Há registro de fórmulas mágicas na cultura romana para obter sucesso
no amor, nos negócios, nos jogos e também proferir discursos persuasivos.
Há muitos registros históricos da Idade Média e de períodos posteriores sobre a magia. .
Conforme se sabe a partir de estudos históricos e antropológicos recentes sobre feitiçaria,
magia e sincretismo religioso, a magia é especialmente dominante em períodos de rápida
mudança e mobilidade social, quando novas relações e conflitos pessoais assumem
importância maior do que as relações familiares tradicionais, típicas de tempos de
estabilidade. A Europa parece não ter sido exceção, especialmente quando a igreja, lutando
para assegurar sua hegemonia, dirigiu acusações de prática de magia contra seus
adversários.
Um dos aspectos mais conhecidos da magia européia, divulgado e combatido pela Igreja
Católica, é a prática herética de fazer pactos com os espíritos malévolos. Característico da
história da magia européia foi também o uso que se fez dela como parte da tradição
hermética. Seguidores dessa tradição, mais identificada na verdade com a alquimia que com
a magia, eram às vezes considerados magos diabólicos, cujos conhecimentos proviriam de
um pacto com o demônio. A sociedade tolerava a maioria deles, no entanto, porque suas
práticas, embora estranhas, eram tidas como parte da tradição hermética judaica e cristã.
Grande parte do que se sabe sobre a magia nas sociedades ágrafas contemporâneas deriva
de relatos antropológicos feitos por pessoas do mundo não-ocidental que acreditam na
magia. Foram feitas descrições detalhadas, por exemplo, sobre as sociedades da Oceania e
da África e de muitas sociedades muçulmanas em que persistem crenças pré-islâmicas,
como na Malásia e na Indonésia. Esses relatos, porém, raramente distinguem magia de
feitiçaria e adivinhação, encontradas em praticamente todas as sociedades orientais
conhecidas.
Teorias sobre a magia. Os primeiros estudos sobre magia foram elaborados pelos sábios
judeus e cristãos, preocupados em relacioná-la com suas crenças, identificando-a como um
vestígio de paganismo e como heresia. Durante o final do século XIX, antropólogos
começaram a estudar a magia e sua influência na evolução das religiões mundiais.
Os primeiros estudos antropológicos sobre a magia foram realizados por Edward Tylor, que
no livro Primitive Culture (1871; Cultura primitiva) definiu magia como uma
pseudociência, em que o "selvagem" incorretamente afirma uma relação direta de causa e
efeito entre o ato mágico e o acontecimento desejado. Em The Golden Bough (1890; O
ramo de ouro), James Frazer redefiniu as concepções de Tylor sobre o pensamento mágico,
discutiu o relacionamento da magia com a religião e a ciência e situou-as num quadro
evolutivo. Frazer aceitou a teoria de Tylor sobre a falsa relação de causa e efeito entre a
magia e os efeitos naturais e analisou os princípios que governam essa falsa relação.
Esses autores e seus seguidores, como Ranulph Marett, entenderam magia como uma
questão essencialmente individual e intelectual, uma das formas como o indivíduo reflete
sobre o mundo. Outros autores ampliaram a discussão e abordaram a questão do ponto de
vista da função social da magia, como fizeram os sociólogos franceses Marcel Mauss e
Émile Durkheim. Em Les Formes élémentaires de la vie religieuse (1912; As formas
elementares da vida religiosa), Durkheim afirmou que os ritos mágicos envolvem a
manipulação de objetos sagrados em nome de indivíduos. O significado socialmente
coesivo dos ritos religiosos propriamente ditos não estava presente. As idéias do sociólogo
francês foram seguidas por Radcliffe-Brown, autor de The Andaman Islanders (1922; Os
habitantes das ilhas Andaman) e, em menor medida, por Malinowski, influenciado mais por
Frazer e pelos primeiros psicanalistas.
Radcliffe-Brown sustentava que a função social da magia era manifestar a importância que
o acontecimento desejado reveste para a comunidade. Malinowski considerava a magia um
fenômeno oposto à religião, além de direta e essencialmente relacionado às necessidades
psicológicas do indivíduo.
Os estudos mais recentes sobre os sistemas mágicos se fizeram tomando como objeto a
magia de povos da África e da Oceania. Basearam-se essencialmente nas idéias de
Malinowski e Radcliffe-Brown e no mais importante trabalho sobre o tema que surgiu
depois desses autores: Witchcraft, Oracles and Magic Among the Azande (1937; Feitiçaria,
oráculos e magia entre os azandes), de Edward Pritchard.
Freud, autor de Totem e tabu (1918), exerceu, durante algum tempo, grande influência
sobre os estudiosos do pensamento mágico com a idéia segundo a qual a magia, a primeira
fase no desenvolvimento do pensamento religioso, era similar, em seus processos
essenciais, ao pensamento de crianças e neuróticos. Essa concepção pressupõe que
selvagens, crianças e neuróticos acreditam que desejo e intenção levam automaticamente a
atingir o objetivo desejado. Essa idéia foi abandonada pelos especialistas, não só por que
revela incompreensão da natureza expressiva do ritual mágico, como também porque
estabelece equivocadas semelhanças de comportamento entre os grupos humanos
comparados.